13.2.06

"Somos todos Expressionistas", por André Bandeira

Um dia perguntei ao meu pai, que era pintor e escultor, qual era o estilo dele, porque desejava que pudesse falar aos meus amigos, dando-lhe uma marca. Disse-me ele que era “expressionista”. Tentei então perceber o que unia os expressionistas, não só nas artes plásticas. Percebi então que se não limitavam a cultivar o direito pressuposto de se exprimirem ( a “liberdade de expressão”) mas que cada um fazia como que um reparo antes de se exprimir, ou que “ isto que vão ver ou ler, ou ouvir ‘, é uma “forma de expressão”. E, com este pequeno reparo, lá faziam o respectivo pleito que pretendia ser singular, coerente, belo, enfim, algo a recompensar a expectativa do público.

Quando vejo a liberdade de expressão arvorada como bandeira de batalha, erguida um pouco ao retardador como numa ressaca, contra a pronta e genuína reacção dos islâmicos ( a publicação de uma banda desenhada a achincalhar a figura de Cristo, por um –aliás – grande cartoniista austríaco, há poucos anos, suscitou apenas as reacções sérias e cansadas do Vaticano, enquanto toda a gente corria a comprar o livro), desconfio.É claro que “liberdade de expressão”, como de resto muitos dos outros direitos humanos não são tecnicamente direitos que eu possa murar e defender com uma carabina, ficando para tribunal a apreciação dos chumbos que alguém levou por trespassar os limites do meu direito, fosse por distracção ou de propósito. Já Karel Vasek e Habermas – para não dizer os práticos dos Direitos Humanos – fizeram claro que estes, entre os quais a liberdade de expressão, são mais estados de alma, princípios, modelos, pelos quais há muito que porfiar para que sejam garantidos e respeitados. Não basta escrevê-los, pô-los à lapela de um político eloquente e bem parecido. Há que procurá-los frequentemente e arranjar-lhes base espiritual que os condense. Assim, os Profetas e os rabis, acabaram por resumir os 10 Mandamentos a um dito de Deus: “procura-Me e encontrar-Me-ás”.

Ora para quem é analítico, ao ponto de esquecer a floresta pela árvore, a liberdade de expressão estará sempre em causa, em perigo e, de tanto exercê-la, sem fazer o tal reparo que os expressionistas faziam, começará a defecar em público como “happenning artístico”, a vender telas brancas como o suprassumo da arte. Ora, mesmo os que não precisam de algo espiritual para os direitos humanos, começaram a encontrar regulamentos para o uso absoluto dos seus direitos, como quem viu que o endeusamento da mercadoria, era um fetiche destrutivo da liberdade, feito reino dos fins. Inventaram então: “a liberdade de um termina onde começa a do outro”, que tantas vezes se ouve.

Ora o “outro”, aqui, não é um indivíduo que busque a originalidade e o carácter como nós a buscámos nos anos sessenta. É um “outro” que se apresenta em família, em tradição, que se submete voluntariamente àquilo que nós rejeitaríamos desde logo, “que ama mais a morte que nós, a vida”. E nós deixámos constituir este “outro” nas nossas sociedades, pouco preocupados em definir o nosso eu, que devia também ser “outro”para eles, gozando com os moralistas, difamando os Le Pen, etc. É que manter uma identidade, às vezes, até custa a própria vida. Por isso, saibamos defender o que fizemos com o exercício da nossa Liberdade, como a borboleta destruíu a lagarta. Seja qual for, nós temos um modo de expressão, muitas vezes auto-censurado ou amordaçado pelas estratégias de manipulação da opinião pública. Voltemos a saber encontrar “um modo” de expressão e não apenas fumar cigarros e escrever nas portas das casas-de-banho.

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