11.2.06

Terna é a passagem, por andré bandeira


Um grupo de jovens dinamarqueses pôs-se na praça central de Copenhaga com um cartaz a dizer “Desculpem”. Sem mais nada. Um meu velho amigo israelita, Mark Heller, começa muitas vezes as conferências dizendo “o meu pai ensinou-me sempre a não pedir desculpa e a nunca dar explicações”. Contudo, Mark Heller, filho dum indivíduo que sofreu numa só vida o que várias gerações de indivíduos não suportariam, quando começa a falar, é tolerante e põe sempre a sua presença de indivíduo como alguém que está frente a outros indivíduos.A sua voz está cheia de perdão e, na verdade, Mark Heller, diz aquela frase para se desculpar logo a seguir. Dizem que Ghandi, numa das suas greves da fome, quase a morrer, recebeu a visita de um manifestante hindu desesperado que lhe implorava que não morresse, pedindo perdão por ter morto um bébé islâmico ao, no meio de uma manifestação, lhe ter esmagado a cabeça contra a parede. Ghandi despertou e disse-lhe: "pega num bébé islâmico que seja órfão, toma-o à tua conta e educa-o na religião dos seus pais".

A nossa natureza é assim: a vida ferve, a dignidade embriaga, o perdão de Deus protege-nos. Como diz um velho ditado chinês: sobre o fio da navalha mais afiada, o mel consegue sempre equilibrar-se. Somos gente muitas vezes ingrata, orgulhosa, quando temos saúde lembramo-nos pouco de quando a não tivemos. Lembramos os heróis mortos em frente aos pelotões de fuzilamento mas se lermos muitas das suas cartas, vemos como eles são humanos, como se mijam pelas pernas abaixo, como se preocupam por coisas tão anómalas, como uma peça da máquina que faltava naquela com que trabalhavam todos os dias. Até Mordechai Anielewicz, o revoltado do Ghetto, na sua última mensagem, limita-se a dizer, como numa luta de trincheiras, que mostrámos a “honra do Povo Judeu” tentando provar que eles não eram nenhuns sub-homens. Ou seja: quando o que estava programado era simplesmente a eliminação da sua gente, do modo mais expedito possível, ele preocupava-se em dizer que o que os nazis diziam, tinha um “Não!”, em frente. Até o executado depende do executor, até os olhos de ambos se encontram. E, foi no Ghetto, pela única vez na história do Exército nazi, que os SS se recusaram a combater, com medo dos fantasmas judeus. Sim, no extremo eles reconheceram, como o ensinavam os seus antepassados germânicos, que o Espírito paira sobre todos.

Acho bem que se faça uma manifestação pelo direito a rir, pelo direito a caricaturar, pelo direito e pelo dever de quebrar o medo. Diz um ditado islâmico que o medo devora a alma. Tenhoa a impressão que nem o mais fanático islâmico, deixaria de compreender que eu não deixasse que a minha alma fosse devorada. Afinal, se ele me quisesse converter, gostaria de encontrar a minha alma intacta. Mas o riso é sempre humano, engaja-nos nos olhos uns dos outros ( nunca confies numa mullher que te beija e fecha os olhos). Até a passagem da morte, os tambores mais longínquos que cessam no nosso interior, depois das batidas já dispersas, dão, devagar, devagarinho, lugar a um doce silêncio.

Sim, terna é a passagem, terna é a harmonia do Céu e da Terra. Terno também deve ser o Riso porque depois de uma boa gargalhada, o ventre distende-se e os olhos húmidos, agradecem ternamente a harmonia do Mundo. Olhos húmidos para se ver melhor.

1 comment:

rafaela said...

obrigada pela visita =)
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