17.2.11

LXXIII - (Re) leituras -- Orientalism, de Edward Saïd, por André Bandeira

Reli este livro, passado seis anos e ganhei. Edward Saïd, teve a ideia e fundou, com Daniel Baremboim, uma orquestra que educa jovens judeus e jovens palestinianos, na Música. Saïd já não está entre nós, mas os Anjos ainda comunicam em música. «Orientalismo», publicada em 78 e pós-faciada em 1994 é a grande tentativa de um palestiniano, especialista em literatura ocidental, nomeadamente política e antropológica, contrariar os democratas neo-colonialistas como Bernard Lewis. Não é conseguida. Saïd prova que o orientalismo é uma literatura generalista do Ocidente, lida por ocidentais, para justificar o imperialismo sobre o Médio-Oriente, começando pelo Egipto. Realmente, os monólogos mais ou menos loucos, mas aterradores, de um Nerval, de um Flaubert, de um Chateaubriand, de um Renan, de um Sacy, de um E.W. Lane, ou de um «Lawrence da Arábia», convenceram o Ocidente de que os árabes são sensuais, preguiçosos, traidores e déspotas. E, alguns dos escritores citados, são honestos e neutros (só que os olhos do escritor são míopes). Os árabes «são selvagens que não riem», os árabes não tiveram Iluminismo, não separaram a Igreja do Estado (pois, nós dissolvemo-la no Estado). Ora bem: comecemos por Newton. Afinal Newton era alquimista e o seu cadáver tinha mais chumbo que um imperador romano bêbedo, morto com delirium tremuris. Mas não interessa, tudo isso passou, o Iraque foi invadido e a «rua árabe» revolta-se espontâneamente, dizem. Por fim, Saïd encontra uma solução para nos ensinar a música dos anjos: façam como Historiadora irlandesa Mary Ferguson, sobre a escravatura negra. As mulheres americanas eram muito mais verdadeiras sobre a escravatura, que os homens. Em suma: junta-se uma minoria (as mulheres), com uma minoria (os árabes desprezados) sobre uma minoria massacrada (os escravos) e obtém-se uma fenda na muralha do racismo. Tudo isto é um monólogo de um palestiniano muçulmano, respeitado e civilizado ao modo de Londres e Harvard. Pode ser esse o mal das derrapagens duma Democracia para o totalitarismo: quando um novo facto não é regular, muda-se a Lei, até o relativo ser tão relativo que a realidade é uma vertigem e a Lei se torna um mero instrumento. É cómico ouvirem-se agora discursos contra o multiculturalismo, não porque venham demasiado tarde, mas porque vêm de pessoas pouco cultas. Uma Cultura serve propósitos não-culturais, alguns deles chamados de existenciais, ou de biológicos, outros, direi, insondáveis. O primeiro passo da Cultura é o sentido da humildade e do limite, mesmo do limite do limite. Se se começar por aí, a explosão democrática de forças externas, na Arabia Infelix, talvez nos faça entender que não somos, nem nunca fomos Ocidente, mas somos Oceano. Mar sem fim, como em Fernando Pessoa, contra o Mar fechado dos Impérios.

5 comments:

Anonymous said...

A humildade humilde, mas não espezinhada. O contraponto moderno jazzístico, barroco também. A cultura que forma. A acção que edifica o ser e a sociedade, mesmo quando irreverente e indisciplinada na sua puerilidade juvenil. Múltiplos e informes, com a única forma do ser: somos assim.

Luc

Anonymous said...

Luc,

Obrigado pelo comentário, sintético e explosivo como tento fazer os meus posts. A humildade humilde (e isto custou-me uma dor de cabeça) não é equivalente aos »limites dos limites» que eu devia ter chamado, antes, «limitações dos limites», o que lhes dá, em vez de um trocadilho retórico, um verdadeiro princípio de forma. Infelizmente, a humildade, como virtude, deve ou tem que chegar muitas vezes ao espezinhamento. Sobre isso, penso que há que ter em conta a experiência da doença, do envelhecimento e da Morte. Já quanto à juventude, não a creio pueril, mesmo se indisciplinada, o que lhe é próprio.Ao contrário, nos países árabes, vejo actualmente muita disciplina, de fanáticos em conjunção com estratégias desesperadas vindas do estrangeiro, o que marca as «revoluções CNN» com uma mancha original, a de que os interessados tiveram de importar um modelo e fazer alianças com dois diabos. E, infelizmente, no Egipto, as muitas bandeiras tricolores, são agitadas por pessoas que não acreditam numa Nação egípcia, mas num califado comandado do Cairo. Acrescento que não sou fã do Jazz, se bem que lhe reconheça grande densidade, nem do barroco, pois acho que são transições. Eu sei que isso é responder com uma questão de gosto mas deixe-me dizer-lhe isto: dirigi muitos Kms com música pop, depois étnica e, finalmente «clássica». Para não adormecer. Mas aprendi a ouvir mais o silêncio. E sobrevivi. Por fim, penso que não nos devamos congratular com o informe. Mas essa é outra coisa para debatermos em outros posts. A «informidade» de muitas revoluções europeias escondeu criminosamente o carácter popular, redentor e formador de muitas contra-revoluções. E, contudo, o Brasil tem um dos seus máximos exemplos, apesar de muito difamado: Canudos.

André

Anonymous said...

Luc,

Tinha-me esquecido dessa do contraponto contínuo do Barrôco, nomeadamente em Bach...mas sou contra o jogo, acho o Soror etrusco uma entidade negativa e não me fascinam as Raízes quadradas de -1, de Cardano e outros jogadores como Madoff. Na realidade, as séries contínuas, por definição, já estão a correr, quando nos debruçamos nelas e são, claro, por princípio escravizantes, se não mesmo de um domínio inimigo da Filosofia. O homem põe e Deus dispõe. A tranquilidade e a ataraxia são alguns dos deveres elementares da educação e se o jovem é naturalmente indisciplinado, isso não o exime de ser educado. Diz o sermão da Montanha: «Benditos os mansos, que herdarão a Terra». E houve algo de manso na Praça Tahrir, nomeadamente, quando os cristãos montavam a guarda aos muçulmanos, na hora destes rezarem.

André

Anonymous said...

Sim, o silêncio também se atinge na música, quando o ser interior escuta. Mas no silêncio ouve-se igualmente o sentido, nem que seja o da imagem de sentido inverso ao visto. A filosofia é abertura e encontro, no "limite do limite", ou apenas vida que, começando, ainda não é plena no seu viver; verdadeiro encontro e compreensão do que somos? Aí, o amor que ilumina, e doa sentido. Por isso existiram os filósofos, para nos darem a conhecer a lei do ser.

Luc

Anonymous said...

E, assim, "limitação do limite".
No silêncio que escuta.
Na imagem introvertida.
No ser da lei.
No amor que é.

Luc